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Pra não dizer que flores não falam (3 de 5)

“Aquele que conheceu apenas a sua mulher, e a amou, sabe mais de mulheres do que aquele que conheceu mil. – Tolstoi

- Desculpa, não quis te machucar, mas você... você... O que ta acontecendo, Dália?

Ele ainda a segurava contra a parede. Falava olhando para baixo como que voltando a si, pedindo paciência. Ela apenas o olhava, respiração acelerada, certo medo em seus olhos. Sentia sua perna tremer e se esforçava para não mostrar. Ele a soltou a encarando. Olhou ao redor como que buscando um lugar onde pudessem conversar sentados, mas não achou.

- Que tipo de lugar horrível é esse? Pequeno... não tem um sofá. Não tem luz? – perguntou enquanto mexia no interruptor.

- É onde eu vivo agora... – ela disse.

- Onde você vive... sei... onde fica o quarto?

- Não...

- ONDE FICA O QUARTO? – elevou a voz.

- ...!

- Escuta, eu só quero conversar com você, ok? Até parece que não me reconhece, Dália, ei, sou eu... hahaha – um riso forçado – vamos, não quero passar a noite aqui. Prometo que vou embora assim que a conversa acabar.

Ela agachou na direção da vela, pegou o isqueiro no bolso. Acendeu. A luz amarela iluminou a pequena sala. Os dois se dirigiram ao cômodo ao lado.

- Que droga é essa na parede?? – ele perguntou sem perguntar. O típico pensamento alto.

Ela acomodou a vela em cima da cabeceira. Ele sentou na ponta da cama. Olhava-a e sorria um tipo de sorriso nervoso.

- Pelo menos uma cama. Anda, Dália, senta. Me dá agonia conversar com alguém de pé.

Ela sentou na outra extremidade.

- E então...? Que merda toda é essa?

- Como você me achou, Portello?

Portello era um de seus clientes fixos. Ele gostava de deixar claro que ela era apenas sua, mesmo sabendo que isso não era uma verdade. Foi ele quem segurou sua mão na primeira noite, quando ela ainda tinha 17 anos. A princípio era um tipo de cliente diferente dos outros, a tratava melhor, mas isso durou apenas um tempo. Seu humor alterava muito e na maioria das vezes era ríspido. Era um velho orgulhoso que deixou o dinheiro lhe fazer acreditar que era dono de qualquer coisa, inclusive pessoas.

- A gente faz um investimento pesado naquela casa, Rainha. Acha que é assim ao deus dará? Voltei do exterior e me falaram que você simplesmente havia fugido. Eles sabiam onde você estava, mas a sua mãe pediu pra darmos um tempo pra você, contou o lenga lenga da sua história “triste”, mas eu não tenho tempo e nem saco pra esse tipo de coisa, você sabe. Um bom suborno e consegui seu endereço. Nunca te achava aqui, e até estranhei você escolher um lugar como esse. Dália, você tinha classe, você... céus, o que houve? Alguma das outras te tratou mal? Não te pagaram? Eu posso resolver tudo isso. Pode escolher quem você quer ver sair dali. O dono daquilo come na minha mão. Posso te arrumar umas férias, mas não seja malcriada assim. Eu sempre cuidei de você, querida. Não precisava ter fugido. Por que não me procurou?

- Portello...

- Eu sei, eu tava fora, mas pelo amor de deus, não podia esperar? Você sempre foi tão paciente... Me conta, o que quer que eu faça por você lá?

- Não existe mais “lá”. Essa é minha vida agora. Entende?

- Não e nem quero entender. Isso aqui é sua vida? Olha esse lugar!! Não tem nem luz.

- Não deu pra pagar a conta...

- Meu deus, Dália. Olha pra você, “não deu pra pagar a conta”, você ta se ouvindo? E o seu dinheiro da casa?

- Eu fugi, Portello. Só peguei algumas roupas, e não quero, aquilo não é meu, eu não tenho código de barras, não sou mercadoria.

- Então é isso... vocês sempre aparecem com essas firulas. “Não sou produto” “não sou objeto” “pessoas deveriam ser pessoas”. Hahahaha... Dália, eu falei pra sua mãe que um dia seus livros iam te fazer mal. Você entendeu tudo errado. Eu não te enxergo assim. Não pago por você, é seu tempo que compro...

- É mesmo? Então o que acha de só conversarmos nesse tempo então? Pagaria por proza? Quanto você me daria pra ouvir meus sonhos? Quanto você me daria pra ouvir desabafos? Quanto você me daria pra ouvir bobagens, pra rirmos de coisas grotescas e apenas isso? Quanto? Quanto vale o que eu sou?

- ...! Digamos que temos tudo isso e a outra parte seja apenas nossa necessidade instintual. Alguém precisa nos ajudar a suprir isso e é aí que eu e você viramos o par perfeito. Você recebe pelo seu tempo, nossas necessidades são supridas e tudo isso que você falou fica pro próximo encontro, infelizmente a gente sempre esquece. Hahaha...

- Pois é... você paga por outras coisas. Não seja hipócrita.

- HIPÓCRITA? Não me venha falar de hipocrisia, você recebeu todos os pagamentos, você tem mais de um cliente, você é a mais procurada. Não me venha com essa. Você ama o dinheiro.

- NÃO, PORTELLO!! Eu cansei... cansei... você não entende??? Eu era um espaço oco pra abrigar desejos que nunca foram meus, vontades que nunca foram minhas! Eu tenho alma... existe algo atrás dos meus olhos... Eu não me importo em perder todo aquele dinheiro, eu não me importo em não ter aquela vida de luxo, eu não me importo em não ter uma casa daquelas. Eu quero apenas viver uma verdade verdadeira. Não ser mais fantoche. Quero ser outro tipo de pessoa na vida e apostar nas minhas vontades.

- Suas vontades... e elas são...?

- Quero ser escritora. Ter um emprego decente. Ter família. Voltar a estudar. Coisas simples.

- Escritora, Dália? Escritora? Hahahaha... e vai escrever sobre o quê? Talvez sobre seus truques. Histórias sujas. Faça-me o favor. E sobre o resto da sua listinha, eu achei bonitinho até. Na sua cabeça talvez funcione, mas vamos falar na realidade. 25 anos, puta, sem formação do Ensino Médio. Que tipo de emprego decente você vai ter? E você quer família? Sei. Quando encontrar um cara você vai contar sua história pra ele? Que tipo de homem vai querer uma mulher rodada? Que família vai te aceitar? O que esse cara vai ter em você pra se orgulhar? Olha onde você vive, já tem amiguinhos sem ser do tipo que...você sabe. Aposto que não, então continua sem ter pra quem contar o blah blah blah dos seus sonhos, desabafos e aquelas coisas ridículas que falou. O Augusto disse que agora você trabalha numa lanchonete, fazendo limpeza. Esse é o emprego decente? Um monte de velho sujo te beliscando, prontos pra te devorar? Então esse é o outro tipo de pessoa e de vida que você quer??? Quem tem olhos pra você, Dália? Sozinha e largada no mundo você pensa que vai chegar onde? No mínimo vai voltar pra antiga vida, mas num lugar mais moribundo.

- Vontade é caminho...

- Ah, é mesmo? Quem te ensinou isso? Seus livros? A vida, pra gente como você, obedece outros padrões e regras, Rainha.

-  ...

- Anda, vou levar você de volta e te salvar dessa sua loucura romântica.

- NÃO!

- Anda, Dália. Pega suas coisas.

- NÃO!

- Pára de testar minha paciência.

- Portello, por favor, me deixa correr o risco, me deixa morrer na minha loucura.

- Os outros estão preocupados com você.

- Diga que estou bem...

- Vou dizer uma coisa dessas depois de ver sua situação aqui?

- Minta.

- Ta certo... posso pelo menos dar um beijo de despedida?

- ...

- na testa...!

Ela fez que sim com a cabeça, em silêncio. Ele levantou. Dirigiu-se a ela. Inclinou-se gentilmente. Deu um beijo suave em sua testa. Ela fechou os olhos.

 Ele a agarrou pelo cabelo, com força, fazendo-a se levantar.

- Sua desgraçada, acha mesmo que vou deixar você aqui? Você volta comigo!

- Não, Portello... por favor... você... você ta me machucando...

Atravessaram o quarto, a sala. Ele a empurrou pra fora. Ela voltou para peitá-lo. Outro tapa pode se ouvir, dessa vez ela não sentiu dor, a raiva a poupou disso. Ela foi em sua direção e cravou as unhas na garganta do velho.

- Seu filho da...

Ele grudou no pescoço dela e começou a apertar até senti-la perdendo as forças. Ela se ajoelhou na calçada, tossindo. O velho a xingava. Deu mais um tapa e ameaçava outro. Um carro parou bruscamente do outro lado da rua. Um homem saiu. Jogou a bituca de cigarro fora e atravessou a rua com firmeza.

- Ei...

O velho a pegou pelo colarinho.

- Eiiii... solta ela.

- Fica na sua moleque. Isso é assunto de gente grande.

O “moleque” sacou uma arma.

- Anda, solta ela.

 - Não, moço, pelo amor de deus. – disse Dália, um tanto fraca.

- Você nem a conhece, acha que ela vale uma bala, garoto? Hahaha...

- Não vou pedir de novo, solta ela. – sua mão tremia.

- E o que você acha que vai fazer com essa...


Um disparo se ouviu na rua e junto com ele os latidos dos vira-latas.

(continua...)
*Ellion Montino

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3 comentários:

  1. Nossa......minha imaginação foi muito massa agora...kkkkk

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  2. hahaha conseguiu se transportar pra cena?
    (de Ellion)

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  3. Muito bom.... me transporte também.


    Bruna Nunes

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