“Aquele que conheceu apenas a sua mulher, e
a amou, sabe mais de mulheres do que aquele que conheceu mil.” – Tolstoi
- Desculpa,
não quis te machucar, mas você... você... O que ta acontecendo, Dália?
Ele ainda a
segurava contra a parede. Falava olhando para baixo como que voltando a si,
pedindo paciência. Ela apenas o olhava, respiração acelerada, certo medo em
seus olhos. Sentia sua perna tremer e se esforçava para não mostrar. Ele a
soltou a encarando. Olhou ao redor como que buscando um lugar onde pudessem
conversar sentados, mas não achou.
- Que tipo de
lugar horrível é esse? Pequeno... não tem um sofá. Não tem luz? – perguntou enquanto mexia no
interruptor.
- É onde eu
vivo agora... – ela disse.
- Onde você
vive... sei... onde fica o quarto?
- Não...
- ONDE FICA O
QUARTO? – elevou a voz.
- ...!
- Escuta, eu
só quero conversar com você, ok? Até parece que não me reconhece, Dália, ei,
sou eu... hahaha – um riso forçado – vamos, não quero passar a noite aqui.
Prometo que vou embora assim que a conversa acabar.
Ela agachou na
direção da vela, pegou o isqueiro no bolso. Acendeu. A luz amarela iluminou a
pequena sala. Os dois se dirigiram ao cômodo ao lado.
- Que droga é
essa na parede?? – ele perguntou sem perguntar. O típico pensamento alto.
Ela acomodou a
vela em cima da cabeceira. Ele sentou na ponta da cama. Olhava-a e sorria um
tipo de sorriso nervoso.
- Pelo menos uma cama. Anda, Dália,
senta. Me dá agonia conversar com alguém de pé.
Ela sentou na
outra extremidade.
- E então...?
Que merda toda é essa?
- Como você me
achou, Portello?
Portello era
um de seus clientes fixos. Ele gostava de deixar claro que ela era apenas sua,
mesmo sabendo que isso não era uma verdade. Foi ele quem segurou sua mão na
primeira noite, quando ela ainda tinha 17 anos. A princípio era um tipo de
cliente diferente dos outros, a tratava melhor, mas isso durou apenas um tempo.
Seu humor alterava muito e na maioria das vezes era ríspido. Era um velho
orgulhoso que deixou o dinheiro lhe fazer acreditar que era dono de qualquer
coisa, inclusive pessoas.
- A gente faz
um investimento pesado naquela casa, Rainha. Acha que é assim ao deus dará? Voltei
do exterior e me falaram que você simplesmente havia fugido. Eles sabiam onde
você estava, mas a sua mãe pediu pra darmos um tempo pra você, contou o lenga
lenga da sua história “triste”, mas eu não tenho tempo e nem saco pra esse tipo
de coisa, você sabe. Um bom suborno e consegui seu endereço. Nunca te achava
aqui, e até estranhei você escolher um lugar como esse. Dália, você tinha
classe, você... céus, o que houve? Alguma das outras te tratou mal? Não te pagaram?
Eu posso resolver tudo isso. Pode escolher quem você quer ver sair dali. O dono
daquilo come na minha mão. Posso te arrumar umas férias, mas não seja malcriada
assim. Eu sempre cuidei de você, querida. Não precisava ter fugido. Por que não
me procurou?
- Portello...
- Eu sei, eu
tava fora, mas pelo amor de deus, não podia esperar? Você sempre foi tão
paciente... Me conta, o que quer que eu faça por você lá?
- Não existe
mais “lá”. Essa é minha vida agora. Entende?
- Não e nem
quero entender. Isso aqui é sua vida? Olha esse lugar!! Não tem nem luz.
- Não deu pra
pagar a conta...
- Meu deus,
Dália. Olha pra você, “não deu pra pagar a conta”, você ta se ouvindo? E o seu
dinheiro da casa?
- Eu fugi,
Portello. Só peguei algumas roupas, e não quero, aquilo não é meu, eu não tenho
código de barras, não sou mercadoria.
- Então é isso...
vocês sempre aparecem com essas firulas. “Não sou produto” “não sou objeto” “pessoas
deveriam ser pessoas”. Hahahaha... Dália, eu falei pra sua mãe que um dia seus
livros iam te fazer mal. Você entendeu tudo errado. Eu não te enxergo assim.
Não pago por você, é seu tempo que compro...
- É mesmo?
Então o que acha de só conversarmos nesse tempo então? Pagaria por proza?
Quanto você me daria pra ouvir meus sonhos? Quanto você me daria pra ouvir
desabafos? Quanto você me daria pra ouvir bobagens, pra rirmos de coisas
grotescas e apenas isso? Quanto? Quanto vale o que eu sou?
- ...! Digamos
que temos tudo isso e a outra parte seja apenas nossa necessidade instintual. Alguém
precisa nos ajudar a suprir isso e é aí que eu e você viramos o par perfeito.
Você recebe pelo seu tempo, nossas necessidades são supridas e tudo isso que
você falou fica pro próximo encontro, infelizmente a gente sempre esquece.
Hahaha...
- Pois é...
você paga por outras coisas. Não seja hipócrita.
- HIPÓCRITA?
Não me venha falar de hipocrisia, você recebeu todos os pagamentos, você tem
mais de um cliente, você é a mais procurada. Não me venha com essa. Você ama o
dinheiro.
- NÃO,
PORTELLO!! Eu cansei... cansei... você não entende??? Eu era um espaço oco pra
abrigar desejos que nunca foram meus, vontades que nunca foram minhas! Eu tenho
alma... existe algo atrás dos meus olhos... Eu não me importo em perder todo
aquele dinheiro, eu não me importo em não ter aquela vida de luxo, eu não me
importo em não ter uma casa daquelas. Eu quero apenas viver uma verdade
verdadeira. Não ser mais fantoche. Quero ser outro tipo de pessoa na vida e
apostar nas minhas vontades.
- Suas
vontades... e elas são...?
- Quero ser
escritora. Ter um emprego decente. Ter família. Voltar a estudar. Coisas
simples.
- Escritora, Dália?
Escritora? Hahahaha... e vai escrever sobre o quê? Talvez sobre seus truques. Histórias
sujas. Faça-me o favor. E sobre o resto da sua listinha, eu achei bonitinho
até. Na sua cabeça talvez funcione, mas vamos falar na realidade. 25 anos,
puta, sem formação do Ensino Médio. Que tipo de emprego decente você vai ter? E
você quer família? Sei. Quando encontrar um cara você vai contar sua história
pra ele? Que tipo de homem vai querer uma mulher rodada? Que família vai te
aceitar? O que esse cara vai ter em você pra se orgulhar? Olha onde você vive,
já tem amiguinhos sem ser do tipo que...você sabe. Aposto que não, então
continua sem ter pra quem contar o blah blah blah dos seus sonhos, desabafos e
aquelas coisas ridículas que falou. O Augusto disse que agora você trabalha
numa lanchonete, fazendo limpeza. Esse é o emprego decente? Um monte de velho
sujo te beliscando, prontos pra te devorar? Então esse é o outro tipo de pessoa
e de vida que você quer??? Quem tem olhos pra você, Dália? Sozinha e largada no
mundo você pensa que vai chegar onde? No mínimo vai voltar pra antiga vida, mas
num lugar mais moribundo.
- Vontade é
caminho...
- Ah, é mesmo?
Quem te ensinou isso? Seus livros? A vida, pra gente como você, obedece outros
padrões e regras, Rainha.
- ...
- Anda, vou
levar você de volta e te salvar dessa sua loucura romântica.
- NÃO!
- Anda, Dália.
Pega suas coisas.
- NÃO!
- Pára de
testar minha paciência.
- Portello,
por favor, me deixa correr o risco, me deixa morrer na minha loucura.
- Os outros
estão preocupados com você.
- Diga que
estou bem...
- Vou dizer
uma coisa dessas depois de ver sua situação aqui?
- Minta.
- Ta certo...
posso pelo menos dar um beijo de despedida?
- ...
- na testa...!
Ela fez que
sim com a cabeça, em silêncio. Ele levantou. Dirigiu-se a ela. Inclinou-se
gentilmente. Deu um beijo suave em sua testa. Ela fechou os olhos.
Ele a agarrou pelo cabelo, com força,
fazendo-a se levantar.
- Sua
desgraçada, acha mesmo que vou deixar você aqui? Você volta comigo!
- Não,
Portello... por favor... você... você ta me machucando...
Atravessaram o
quarto, a sala. Ele a empurrou pra fora. Ela voltou para peitá-lo. Outro tapa
pode se ouvir, dessa vez ela não sentiu dor, a raiva a poupou disso. Ela foi em
sua direção e cravou as unhas na garganta do velho.
- Seu filho
da...
Ele grudou no
pescoço dela e começou a apertar até senti-la perdendo as forças. Ela se
ajoelhou na calçada, tossindo. O velho a xingava. Deu mais um tapa e ameaçava outro.
Um carro parou bruscamente do outro lado da rua. Um homem saiu. Jogou a bituca
de cigarro fora e atravessou a rua com firmeza.
- Ei...
O velho a
pegou pelo colarinho.
- Eiiii...
solta ela.
- Fica na sua
moleque. Isso é assunto de gente grande.
O “moleque”
sacou uma arma.
- Anda, solta
ela.
- Não, moço, pelo amor de deus. – disse Dália,
um tanto fraca.
- Você nem a conhece, acha que ela
vale uma bala, garoto? Hahaha...
- Não vou pedir
de novo, solta ela. – sua mão tremia.
- E o que você
acha que vai fazer com essa...
Um disparo se
ouviu na rua e junto com ele os latidos dos vira-latas.
(continua...)
*Ellion Montino
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Leia os anteriores:
Nossa......minha imaginação foi muito massa agora...kkkkk
ResponderExcluirhahaha conseguiu se transportar pra cena?
ResponderExcluir(de Ellion)
Muito bom.... me transporte também.
ResponderExcluirBruna Nunes